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Oficinas viram garagem por falta de peças

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16/01/2013 - Em.com.br 16 .01.2013 Carolina Mansur

Com produção e venda de modelos zero aquecidas, veículos ficam parados por até 90 dias

A falta de peças de reposição para veículos usados atrapalha os negócios de oficinas de Belo Horizonte e traz transtornos para clientes, que chegam a esperar até três meses pelo conserto de seus veículos. O problema surge no mesmo momento em que há a crescente demanda por automóveis zero. Segundo balanço divulgado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), neste ano cerca de 3,5 milhões de veículos devem ser produzidos e aproximadamente 3,97 milhões comercializados no Brasil, o que significa que o mercado deve continuar sentindo o desabastecimento de peças. Isso porque boa parte dos componentes fabricados tem sido destinada às linhas de produção das montadoras.

Mesmo tendo comprado um carro zero, o empresário José Eustáquio Marques da Silva viu o sonho se transformar em pesadelo quando bateu o veículo, em outubro. “Meu carro não tinha nem 1 mil quilômetros e estou com o carro inutilizado por quase 90 dias porque faltava peça”, conta. Hoje, o carro, que é importado, está na concessionária e a previsão é de que ele fique pronto no dia 28. Para Eustáquio, o problema pode ser decorrente de uma venda maior que a esperada pelas montadoras.“Grande parte das peças fabricadas vão para a montagem dos carros e o pós-venda fica prejudicado. Além disso, convivemos com o fato de muitas peças serem fabricadas fora do país”, diz.

O também empresário Paulo Ferreira da Cunha viveu problema parecido no fim do ano passado. Depois de esperar cerca de 50 dias pelo conserto de seu carro, ele finalmente conseguiu reavê-lo no início deste mês. Proprietário de um veículo popular modelo 2005, ele viu o carro parar ao completar 100 mil quilômetros. “Ele nunca tinha dado nenhum problema, mas no final de novembro o carro apresentou defeito no catalisador e parou”, relata. “Ao levar para o conserto, esperei por quase um mês até ser informado de que a empresa de autopeças não tinha o catalisador para fornecer e fiquei aguardando por quase um mês mais, até resolverem o problema”, lembra o empresário, que conseguiu um desconto de R$ 700 em função do atraso na entrega.

Diante da insatisfação de clientes, carros parados em seus pátios e atraso no pagamento dos serviços em função da falta de peças, os prestadores de serviço se unem na mesma reclamação. “Há um ano a situação de falta de peças vem se agravando. Muitos clientes reclamam, mas carro parado também é prejuízo para a gente. Muitas seguradoras jogam a culpa nas oficinas, mas buscamos peças e realmente não as encontramos”, afirma Jairo Sylvio de Souza, da Oficina do Jairo. Ainda de acordo com ele, puxado pela falta de peças, outro problema tem sido o pagamento dos serviços pelas seguradoras, que também ficam comprometidos. “Se eu faço o pedido de uma peça hoje, a recebo no fim do mês que vem e entrego o serviço em março, vou receber apenas em abril. Ficamos sem capital e a situação se complica ainda mais”, afirma.

O proprietário da Auto Mecânica Keppel, Otto Keppel, também lamenta a escassez de peças no mercado de reposição e a dificuldade para realizar os serviços. Segundo ele, a indústria tem se esquecido das oficinas, ocasionando perdas irreparáveis. “A demanda pelo serviço caiu cerca de 60% para todo o mercado”, calcula. “Muitos também estão fechando as portas. Passamos por um momento em que as montadoras estão pedindo muitas peças para os novos e falta produto para o mercado de usados, que fica em segundo plano”, afirma.

Entre as peças mais difíceis de encontrar, Keppel destaca as dos carros importados, mas garante que as nacionais passam por situação semelhante. “Hoje, se eu precisar de determinada peça, tenho de comprar na concessionária, com o preço de tabela cheia. Se não encontrá-la, fico sujeito às peças chinesas, de baixa qualidade”, conta Keppel, que alerta também para o surgimento dessas empresas de peças “genéricas”, que entram no mercado brasileiro e se aproveitam da lacuna deixada pelas fábricas de qualidade certificada.

PRAZO DE ENTREGA

Quem também reclama do momento vivido pelas oficinas é o orçamentista da Car Service, Neylor Corrêa. O principal problema, para ele, é que nem sempre as oficinas conseguem cumprir o prazo de entrega do serviço em função da falta de peças, e o atraso acaba gerando problemas para quem precisa do carro pronto. “O carro reserva do nosso cliente o atende num período de 7 a 14 dias e muitas vezes é preciso estrapolar esse período, o que traz muito desgaste”, diz . O carro de um cliente chegou a esperar por dois meses para a troca de uma porta, de acordo com Corrêa. Ao pressionar as fábricas de autopeças, a reposta, segundo Corrêa, é sempre a mesma. “Dizem que não têm previsão de entrega e outras dão o prazo de 20 dias úteis, o que significa mais de um mês de espera”, comenta.

Embora reclamações como as de Jairo, Otto e Neylor se repitam nas oficinas de Belo Horizonte, o presidente do Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios (Sindirepa Nacional), Antonio Fiola, que representa as oficinas de reparação do Brasil, afirmou, por meio de nota, que o problema de falta de peças é pontual e está relacionado somente a peças externas dos veículos, como pára-choques, lanternas, faróis, entre outros itens, que são fornecidos para o mercado de reposição pelo canal montadora, ou seja, via concessionária. “Isso acontece devido à grande diversificação da frota circulante, que tem centenas de modelos de marcas diferentes e à produção em alta escala nos últimos cinco anos, principalmente com o aumento da participação dos importados.”

Fabricantes defendem mercado aberto

Diante de uma situação que considera “vergonhosa”, Jairo Sylvio de Souza, dono da oficina que leva seu nome, garante que uma das soluções para o impasse seria a fabricação de peças pela indústria independente. “Não vejo outra solução, a menos que as montadoras também abasteçam as oficinas. Hoje, falta tudo. Porta, pára-choque, friso, farol… Aceitar o mercado paralelo seria uma alternativa”, diz. “Embora eu tenha clientes que não aceitem essas peças, porque as considerem sem qualidade, também existem peças boas nesse segmento”, acrescenta Jairo.

O livre mercado também é a defesa da Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças (Anfape), que tenta dar fim aos bloqueios por ações judiciais que as montadoras movem contra os fabricantes independentes de autopeças. Segundo o diretor utivo Roberto Monteiro, hoje quase 85% das peças mecânicas e externas produzidas vão para o mercado de montadoras, enquanto 15% vão para o de reposição e isso explicaria, portanto, o problema crônico sentido hoje na reposição. “A falta de peças existe há muitos anos porque as montadoras e fábricas não enxergam esse mercado, que para elas é pequeno. Mas elas também impedem que outros atendam esse mercado”, explica.

Hoje, segundo Monteiro, as montadoras proíbem a fabricação de peças externas e visuais dos carros, mas, caso permitissem, a manutenção desse mercado teria maior fluidez e melhoria o atendimento ao consumidor. “A justificativa é que querem eliminar as fabricantes independentes pela má qualidade do nosso produto, mas todo e qualquer mercado tem coisas boas e ruins. No nosso, a grande maioria é de boa qualidade”, garante.

Procuradas pela reportagem, as montadoras nacionais afirmaram que o abastecimento segue dentro da normalidade. A Fiat informou que não há um problema de suprimento de peças que justifique atrasos no atendimento aos consumidores, mas que “podem ocorrer problemas pontuais circunscritos a determinada peça, em determinada região, que mobilizam a empresa para imediata solução”. Ford, General Motors e Volkswagen informaram que o fornecimento de peças está normalizado.